Quando os pardais se recolhem: poesias perdidas
Rômulo de Oliveira Silva.
Rômulo de Oliveira Silva.
Nos dias passados e bem distantes, havia invernos com muita
chuva, trovoadas, relâmpagos e cheiro de terra molhada. Havia
muitos pardais que se escondiam, nas tardes chuvosas, sob
as copas assanhadas das árvores que ocupavam a pracinha,
em frente à minha casa, e uma velha rua de piçarra que parecia
não ter fim. Eram árvores velhas, descuidadas, que nunca
tinham sido podadas.
Na minha infância eu vi bandos alvoroçados de pardais em revoadas.
Era um ritual que antecedia o recolhimento e anunciava
o fim da tarde e o início da noite. Até que um dia, todas as
árvores do meu lugar foram cortadas, e os pardais, sem terem
para onde ir, vararam a noite e a madrugada desesperados.
No dia seguinte, dezenas deles estavam mortos de exaustão,
caídos no chão. Os sobreviventes partiram e nunca mais foram
vistos. Eu também parti, virei do mundo. Na verdade, o menino
e os pardais daquele lugar descuidado, nunca cresceram nem
partiram, ficaram encantados. Menino, pardais, invernos, trovoadas,
cheiro de terra molhada, uma pracinha, uma rua sem
fim, foram esquecidos, como poesias perdidas.
Rômulo de Oliveira Silva
é médico, bacharel e
licenciado em filosofia pela
Universidade Federal de
Sergipe.
É membro da Academia
Itabaianense de Letras e
da Sociedade Brasileira de
Médicos Escritores.
É autor dos livros:
Sociedade Filarmônica
Nossa Senhora da
Conceição, Camellot –
de Imagens e Palavras,
Jardim de Crisântemos,
Erato – Alguma Poesia,
Um Trem para Belfast, e
coautor de Pedro Garcia
Moreno – A Medicina
Humanística e seu Ocaso.